Ética e direitos animais - Índice


Nesta série de artigos investigaremos as teorias libertárias mais usadas para negar direitos a animais, verificando se elas realmente se sustentam.

Uma analise do argumento jusnaturalista em geral, com o capítulo 21 do livro "A Ética da Liberdade" do Rothbard respondido ponto a ponto.

A demonstração de que a exigência de "capacidade argumentativa" para titularidade de direitos é infundada, tanto pela teoria da Ética Argumentativa, de Hans-Hermann Hoppe, quanto pelo argumento finalístico da propriedade (como defendido por Alexandre Porto).

Relacionado: Hans-Hermann Hoppe vs Luiz Fabrette - Sobre Ética Argumentativa e não-argumentadores


Complementando o post anterior, investigamos alguns conceitos como o de Ação, Uso e Controle Direto, que nos levam a efetivamente propor um argumento em prol dos direitos dos animais, demonstrando que se a Ética Argumentativa é válida, então a não-agressão a animais é obrigatória. 

Ética e direitos animais (4) - Resposta a Molyneux
Uma resposta aos argumentos feitos por Stefan Molyneux, na sua teoria do Universally Preferable Behaviour (UPB). Versão em inglês: Ethics and animal rights (4) - Response to Molyneux

Ética e direitos animais (5) - A premisa sobrevivencialista
Ponderações sobre a premissa de que a ética teria algum compromisso com a sobrevivência humana, e suas implicações.

Ética e direitos animais (6) - Contratualismo
Comentando a ideia de que, se direitos são fruto de um pacto, então eles só se aplicariam àqueles capazes de fazer pactos. Traz também uma comparação entre a visão de uma ética subjetiva, como a contratualista, e uma visão objetiva.

Ética e direitos animais (7) - Os incapazes humanos
O caso dos argumentos que também implicam na inexistência de direitos de incapazes humanos, e a análise dos métodos usados para tentar desfazer essa implicação.

Ética e direitos animais (8) - Direitos, Deveres e Reciprocidade
Uma análise da ideia de que apenas seres capazes de deveres têm direitos e a apresentação de uma espistemologia Ética correta com base nos conceitos de agente moral e paciente moral.

Ética e direitos animais (9) - A "prova" de Paulo Kogos
Avaliação do argumento proposto por Kogos para provar a inexistência de direitos animais tanto num mundo sem ética quanto no de uma ética transcendental.

Respostas a todas as demais questões, que não sejam relativas à esfera da Ética, levantadas por libertários na discussão dos direitos animais.

Ética e direitos animais (final) - Questões Gerais


Depois de demonstrados os problemas das tentativas de se negar direitos a animais com base no jusnaturalismo de Rothbard e na Ética Argumentativa de Hoppe, surgem em geral algumas alegações mais práticas — é o apelo final: desarmada no apriorismo, a pessoa muda então para o consequencialismo ético, tentando mostrar que seria complicado ou difícil para nós se animais tiverem direitos; começa a se preocupar com nutrição, aspectos econômicos ou, em casos piores, há pessoas que começam até mesmo a boa e velha apologia à agressão, dizendo que vão continuar agredindo animais mesmo e eles que se danem.

Esse post será atualizado constantemente com essas questões alheias à Ética conforme elas forem surgindo. Você pode deixar a sua nos comentários.

1. Sobre a punição - ou "então vamos ter que mandar para a cadeia leões que comem zebras!"
O reconhecimento dos direitos dos animais não traz qualquer obrigação de julgar e punir crimes praticados por animais; na verdade, não existe obrigação ética de punir nem sequer os crimes praticados ou sofridos por humanos (caso houvesse, já estaríamos sendo anti-éticos simplesmente por estarmos aqui discutindo esse assunto em vez de estarmos caçando todos os criminosos que existem no mundo nesse instante).

Isso porque punição é uma questão relativa ao Direito, não à Ética. Não somos obrigados a empenhar todos os nossos recursos numa busca incansável para identificar, caçar e punir o roubo, por exemplo, de uma simples balinha — nem por isso declaramos que os direitos de propriedade deixam de existir ou que não houve violação do direito do dono da balinha. É claro que houve. Da mesma forma que quando um leão mata uma zebra isso evidentemente é uma agressão e uma violação à vida da zebra. Reconhecer isso, entretanto, não implica em qualquer obrigação de punição e a inconveniência ou inutilidade de punir certas violações de direitos não torna os direitos violados inexistentes.

Ainda, digamos que o ladrão da balinha do nosso exemplo anterior fosse uma criança, ou um doido, ou qualquer outro na categoria dos civilmente incapazes: o fato de que provavelmente não faria sentido mandá-los para a cadeia não significa que se torna ético para nós ir lá e escravizar e matar esses indivíduos incapazes. É a mesma coisa em relação aos animais. Não é só porque a punição não se aplica a alguém que se torna eticamente correto iniciar agressão contra esse alguém.

2. Sobre a reciprocidade - ou "então eu não posso matar o leão mas ele pode me matar!"
Essa até já foi comentada no primeiro post da série. A agressão do leão contra você é tão injustificável, e pelo mesmo motivo, que a sua contra ele. Sua defesa em relação a ele será simplesmente legítima defesa.

3. "Eu tenho direito de comer o que quiser"
Comer carne pode até ser um direito, mas matar alguém que não quer ser morto como você defende que se faça com animais para obter a carne não é.

4. "Animais são recurso!"
Você também é. Recurso é qualquer meio material ou imaterial capaz de satisfazer, diretamente ou após trabalhado, necessidades de outros. Humanos são capazes de satisfazer necessidades alheias. É exatamente por isso que ocorre escravidão, por exemplo. Ou mesmo canibalismo. A questão, portanto, não é se alguém é ou não recurso —todos somos—, e sim que você acha que é antiético humanos serem usados como recursos. Ótimo. E o motivo pelo qual é antiético para os humanos é o mesmo pelo qual continua antiético para os animais: a norma de que o primeiro usuário seja o dono do corpo é inegável, e eles é que são os respectivos usuários, não você.

5. "Animais são incapazes de respeitar a ética!"
Isso é simplesmente falso. Muitos animais passam suas vidas tranquilamente, sem iniciar agressão.

5a. "Mas não é respeito consciente...."
Esse estado subjetivo de "respeito consciente" não é relevante nem sequer entre humanos. Se uma pessoa cruza com você pela rua e não te rouba, não importa se ela se absteve de te roubar graças a uma "intrincada reflexão moral da razão pura que a levou a um profundo respeito pela regra da propriedade", ou se ela não te roubou apenas porque tinha medo de você, ou porque você não tinha nada que ela queria ou porque isso simplesmente nem passou pela cabeça dela. Tudo que importa é que, enquanto algum ser não te agride, ele é um não-agressor. E iniciação de agressão contra ele é injustificável.

*Considerações sobre as intenções e pensamentos do agente só terão alguma importância na dosagem da pena, pois indicarão a pré-disposição do agente em repetir ou não o delito. Novamente, questão de Direito Penal, não de Ética.

6. "Mas a ética é aplicável só a humanos"
Mesmo que se alegue que "a ética é aplicável só a humanos",  uma disposição do tipo "é errado agredir animais" ainda está propondo algo "aplicável a humanos", já que estamos dizendo precisamente aos humanos mesmo que eles não deveriam fazer tal coisa.

Porém, a ética não se propõe a dar enunciados "só a humanos", e sim enunciados objetivos e universais. Pensar que a ética só se aplica aos humanos é tão tolo quanto pensar que a matemática só aplica a nós, como se tirar 2 ovos de um pássaro que pôs 3 deixasse de ser uma subtração só porque o pássaro não sabe fazer contas.

7. "Fale para o leão não comer a zebra!" / "Te desafio a ir debater direitos com animais!"
Você pode falar pra um leão não comer uma zebra, assim como pode falar pra um bandido não assaltar uma vítima, ou um político não roubar seu dinheiro. O fato de eles não darem ouvido ao que você falou não significa que o que fizerem estará certo, ou que as vítimas não estejam sofrendo agressões, nem que você passe a estar autorizado a agredir não-agressores.

Ainda, direitos não são produzidos via debate, nem são válidos apenas para as partes envolvidas no debate, portanto a incapacidade de alguém em ser parte em debates não o exclui de direitos. Desafio irrelevante. (Mais sobre direitos e debates no post Ética e direitos animais (2) - Crítica à conclusão hoppeana).

8. "Animais não exercem o direito de autopropriedade"
O direito à autopropriedade declara que o primeiro usuário de um recurso (como o corpo) seja o dono dele. Ser dono significa poder tomar as decisões sobre o que fazer com aquele bem. Coisas como mover aquele corpo para frente ou para trás, usá-lo para pegar algo, etc etc. Animais conseguem exercer todos estes controles diretos sobre os respectivos corpos. Sendo a norma da autopropriedade uma norma de validade inegável, então é inegável que animais, que são os primeiros usuários de seus corpos, são autoproprietários. Eles exercem suas autopropriedades perfeitamente e continuarão exercendo enquanto não forem agredidos  exatamente como o resto de nós.

9. "A solução é tornar os animais propriedade de pessoas, assim eles serão protegidos."
Tornar algo propriedade não é garantia de nada, pois o dono pode tanto cuidar daquilo que é seu quanto destruir à vontade.

9a. "Mas a partir do momento que o animal se torna propriedade de alguém esse alguém tem todos os incentivos de cuidar desse animal. Um exemplo disso é o Zimbábue que privatizou os elefantes que estavam em extinção por causa da caça excessiva e agora eles não estão mais em extinção."
Os elefantes não foram exatamente protegidos, mas sim gerenciados de forma a que mais deles continuassem existindo para que fossem caçados e abatidos depois. De fato, os donos possuem incentivos de cuidar de algo, mas só o necessário para que esse algo satisfaça as necessidades do dono. Em caso de animais domésticos, em que a necessidade é de ter um "membro da família", então os bichos recebem de fato vários mimos. Mas não necessariamente. Se a necessidade do dono for subjugar um ser fraco, então o bichinho será maltratado. Os donos de escravos "cuidavam" de suas pessoas apenas o suficiente para que eles trabalhassem, por exemplo. Da mesma forma, donos de frangos "cuidam" deles apenas o suficiente para que eles forneçam carne, o que significa basicamente mantê-los presos sem sequer espaço para locomoção, arrancar-lhes os bicos e enfiar-lhes comida até não aguentarem mais.

A solução correta e justificável em relação aos animais não é a propriedade, mas sim a guarda.

9b. "E quem vai lutar pelos direitos dos animais se eles não forem propriedade?"
Quem quiser. É bastante provável que numa sociedade ancap haja instituições fundadas e financiadas por veganos, que tenham ou que sejam elas próprias agências de segurança, destinadas a combater agressores e acioná-los em tribunais.

A pergunta na verdade é: quem vai lutar pelos direitos dos animais se eles FOREM propriedade? Porque propriedade não tem direitos. Eu posso tanto cuidar do que é meu quanto destruir ou torturar um pouquinho todo dia que ninguém tem nada com isso, afinal é meu.

10. "Animais não possuem direito porque sequer possuem a capacidade de reivindicá-los."
A posse de direitos não depende da capacidade de reivindicá-los porque direitos nem sequer dependem de reivindicação para serem existentes. Eu posso nunca ter reivindicado nada, e nem reivindicar algo depois que você me roubar, o que não quer dizer que foi justo você me roubar, ou que você não violou meu direito ao fazer isso.

10a. "Mas então quem vai promover a punição aos animais se eles próprios não vão?"
Quem quiser. Assim como terceiros podem punir crimes (necessariamente assim quando a vítima morre, inclusive), é bastante provável que numa sociedade ancap haja instituições fundadas e financiadas por veganos, que tenham ou que sejam elas próprias agências de segurança, destinadas a combater agressores e acioná-los em tribunais.

Ainda, mesmo que ninguém promova a punição para os criminosos, a ação deles não deixa de ter sido agressiva e, portanto, antiética.

11. "Os animais são donos de si mesmo mas não podem argumentar em defesa disso"
É verdade, mas já é agressão violar a propriedade de alguém mesmo que ele não exerça o ato de argumentar em defesa de si mesmo.

12. "Você não pode comparar uma pessoa a um animal, pois a vida humana vale muito mais"
Mas o argumento não é dado com base em "valor", o que seria estúpido, especialmente para libertários, que já sabem que o valor é subjetivo. (Aliás, se o seu grande argumento em relação a direitos se baseia em "valor", isso é mais do que um problema no seu ataque aos direitos animais: mostra na verdade uma fragilidade na sua própria defesa dos direitos dos humanos).

13. "Animais não querem morrer apenas por instinto de sobrevivência"
Tão logo um animal perceba que querem atacá-lo ele fará todo o possível para evitar isso. É bastante claro que eles escolhem viver.

Aliás, como você sabe se um humano quer continuar vivo por algo além de um instinto de sobrevivência?

A questão é se o sujeito quer ou não ser morto, a origem psicológica desse querer não o torna menos querer.

14. Animais usam as coisas apenas por instinto, e não conforme deliberação racional
Não interessa se alguém usa algo "por instinto", "apenas para sobreviver", ou por uma "profunda deliberação lógica do estado racional". Não importa, por exemplo, se você se agarrou a uma boia apenas pelo instinto mais primitivo de não se afogar, ainda assim ninguém pode tomá-la de você; importa apenas se o indivíduo é o primeiro usuário de algo, isto é, se ele possui uma vontade e a aplica sobre algo, e que a norma de que o primeiro usuário seja o dono é inegável

15. "Plantas também têm vida!"
Mas ninguém falou em "vida". O argumento é baseado no conceito de agressão, que é a iniciação da força contra a vontade do outro. Dado que plantas não têm mentes elas não têm vontade, então não é que "agressão contra elas pode", mas sim que sequer há algo "contra" a vontade delas.

Agora, ainda que seja o caso de plantas terem mente a conclusão seria que também é errado agredi-las, e não que "está tudo liberado". Esse argumento é usado, na verdade, como um apelo ao consequencialismo, aposteriori. Pretende que desistamos da ideia por causa de consequências desagradáveis que a pessoa supõe, inconveniências ao nosso estilo de vida atual ou mesmo uma extinção que se supõe que ocorreriam Tudo bem se a pessoa é consequencialista. Só que consequencialmente, se não é possível se abster de comer até vegetais e viver sem perturbar bactérias, ainda é perfeitamente possível viver se abstendo de comer carne - como milhares de veganos vivos provam. Então, consequencialmente, não há nenhum problema em cumprir essa parte. Ainda é melhor cumprir o que dá, minimizando agressão, do que não cumprir nada, o que a maximiza.


15a. "Mas se é agressão a ambos, porque eu deveria comer só vegetais e não, por exemplo, comer só carne ou uma mistura de ambos?"
Porque mesmo se fosse agressão a ambos, ainda assim, o "cultivo" de animais envolve muito mais agressão do que o cultivo de plantas*. A vida de uma planta sendo cultivada é basicamente a mesma de uma planta que cresceu naturalmente. Já o animal é necessariamente restringido em sua locomoção, tem seus filhos tomados de si, é alimentado contra sua vontade, sofre mutilações, etc etc.

*Note que isso ainda foi falado considerando plantas que são consumidas por inteiro, e não aquelas das quais obtemos os frutos que elas já dão, situação em que não há qualquer margem para se falar em agressão.

16- "Para entender os desejos de um animal eu deveria ter uma mente do mesmo tipo que a dele"
Falso. Tudo que você precisa para entender os desejos de um animal é que a sua mente seja capaz de entender comportamentos alheios, o que a sua mente é capaz de fazer. Eu posso aproximar fogo de você e, diante da sua reação, entender que você não quer ser queimado. Também posso descobrir isso em relação a um cachorro pelo mesmo método.

17- "Um ser somente pode ser incluído em um julgamento moral, se o mesmo tem a capacidade de escolher entre um certo tipo de comportamento ou outro"
Você é um ser que tem a capacidade de escolher entre um certo tipo de comportamento ou outro, não é? então continua não havendo problema de enquadrá-lo no julgamento moral de que o que você faz com animais é agressão e, portanto, injustificável.

18- "Veganos reclamam de comermos carne mas eles próprios querem obter produtos sabor carne!"
Veganismo não é sobre "odiar carne", e sim sobre se opor à agressão aos animais. Por isso não tem contradição nenhuma em um vegano comer coisas "sabor carne" que não requerem agressão de animais para serem obtidas.

19- "Animais não têm PNA!"
Ninguém "tem" PNA.
PNA é um Princípio de não-agressão, o que pode ocorrer é ele ser respeitado em relação a outros ou não. Os animais têm os mesmos bens naturais - vida, liberdade e propriedade - que os humanos: um animal tem sua vida, a não ser que o matem; tem liberdade, enquanto não o aprisionarem e tem suas propriedades (como um ninho, por exemplo) enquanto não lhe privarem delas. Seguidores honestos de um princípio universal de não-agressão o respeitam universalmente, defendendo a não-agressão aos bens naturais alheios; relativistas ficam inventando motivos para respeitar o princípio em relação a uns e não a outros.

20- "Mas veganos matam mosquitos! Fazendas orgânicas usam defensivos agrícolas naturais pra eliminar pragas!"
"Matarmos mosquitos" ou "eliminarmos pragas" podem ser factualmente verdadeiros, mas são eticamente irrelevantes. Em outras palavras: o fato, aposteriori, de que praticamos essa ou aquela agressão não invalida o raciocínio apriorístico que nos diz que agressão é antiético.

A estratégia essencial no item 20, ao dizer que "fazemos as coisas de determinada forma" é uma tentativa de apelar ao princípio ético de que aquilo que é inevitável, ou impossível de fazer (ou de não fazer) não pode estar sob julgamento ético. Ou seja, não podemos declarar como antiético algo que é impossível de ser de outra forma. Até aqui tudo bem. O problema é que as situações citadas não são, realmente, impossíveis de serem de outra forma. Uma coisa que realmente seria impossível é subir pra baixo, ou desenhar um círculo quadrado, ou ser casado e solteiro simultaneamente, etc etc. A impossibilidade de que se trata no raciocínio ético, como se vê, é a impossibilidade lógica, e não a impossibilidade circunstancial. Deixar de matar animais não é impossível de se praticar. É só inconveniente ao nosso estilo de vida atual, algo que talvez não possamos, circunstancialmente, implementar sem morrermos todos. Mesmo se essa observação for verdadeira, ela é factual, descritiva, e não ética. Da mesma forma que políticos não vão, factualmente, largar tão cedo os privilégios que obtêm à base do roubo, pessoas em geral também não vão cessar toda e qualquer agressão a animais do dia pra noite e morrerem. Isto, embora descritivamente correto, continua eticamente irrelevante, pelo mesmo motivo em ambos os casos.

Também, como ponderado no item 15, se não é possível se abster de comer até vegetais e viver sem perturbar bactérias e mosquitos, ainda é perfeitamente possível viver se abstendo de comer carne - como milhares de veganos vivos provam. Então não há nenhum problema em cumprir essa parte. Ainda é melhor cumprir o que dá, minimizando agressão, do que não cumprir nada, o que a maximiza. (veja também o item 15a).

21- "Veganos são hipócritas, pois aposto que se estiverem morrendo de fome vão comer carne pra sobreviver!"
Em primeiro lugar, ainda que veganos (bem como qualquer um) sejam hipócritas, isso não significa que o que eles fazem hipocritamente seja ético.

Agora, a essência da questão é "você prefere morrer de fome ou comer carne?", ao que o crítico espera que digamos que preferimos comer carne e disso pretende concluir que comer carne é ético. O problema é que o que alguém prefere ou deixa de preferir não é o que define o que é ético ou não é. Seria como perguntar se alguém "prefere morrer de fome ou roubar" e daí concluir que o roubo é ético. Ora, o máximo que esse raciocínio poderia nos demonstrar é que matar animais (bem como roubar) seria ético quando a alternativa for a própria morte, e não que matar animais (e roubar) é ético sempre, como pretende o crítico dos direitos animais.

22- "Meus antepassados não criaram arco e flecha para eu caçar repolho!"
Mas, pela mesma lógica capenga, nossos antepassados também não inventaram agricultura para você ficar caçando — nem inventaram a ética para você continuar agindo de forma injusta. Só porque inventaram uma arma ou uma ferramenta então qualquer uso dela é sempre ético? Posso matar inocentes com ela então? Não.

23. "Suas conclusões levarão à extinção da nossa espécie!" / "Sua ética abrange animais e deveria abranger plantas também, criminalizando viver! Ela torna impossível a resolução de qualquer conflito, já que existirá o conflito primordial da manutenção da própria vida."
Essa é uma das principais estratégias empregados pelos adversários dos direitos animais: esticar a conclusão pró-animais para qualquer forma de vida, alegando que nossas premissas éticas culminarão na nossa extinção, que isso é contra a ética em si e, portanto, tais premissas devem ser rejeitadas.

É possível discutir o erro da tentativa de esticar a conclusão, como feito até em perguntas anteriores. Mas a estratégia como um todo desse critério da "sobrevivência da espécie" como validador ético é falsa.

Se for uma verdade ética que não devíamos comer nem plantas, isto é, que o ético seria morrermos de inanição, a verdade não deixa de ser verdade só porque levará à extinção da nossa espécie. É justamente porque a verdade NÃO tem compromisso com a sobrevivência da nossa espécie, que a tal estratégia de debate não passa de um non-sequitur.

Conflitos se dão quando há duas ou mais vontades mutuamente excludentes sobre algo, isto é, duas vontades que não podem ser satisfeitas simultaneamente: João quer matar Zé; Zé quer ficar vivo. A solução de um conflito consiste em dizer qual das partes conflitantes ou potencialmente conflitantes está correta, ou seja, qual das duas vontades conflitantes deve prevalecer. A solução seria tornada impossível se uma regra ética trouxesse alguma norma que declarasse duas vontades mutuamente excludentes como corretas simultaneamente (e.g. eu tenho direito ao que é meu mas você tem direito de me roubar ao mesmo tempo). Ou declarasse que algo é permitido e proibido ao mesmo tempo ("é errado agredir e é errado não agredir").

A conclusão de que "não podemos nem comer plantas", mesmo se verdadeira, não torna impossível a resolução de conflitos. Ela estabelece, claramente, num suposto conflito entre nós e as plantas, qual vontade deveria prevalecer —e, infelizmente para nós, seria a delas: a verdade ética seria, simplesmente, que se nossa sobrevivência depende de agressão e a agressão é antiética, então nossa forma de sobrevivência é antiética. O ético é não agredir, se isso nos levará à morte, azar o nosso. Provavelmente ficará mais fácil você perceber isso imaginando não "nós", mas uma raça alienígena que precisasse sugar mentes racionais para sobreviver e viesse almoçar aqui na Terra. Não importa que eles precisem disso para sobreviver, ainda seria —e não teríamos problema em perceber— que é antiético o que eles querem/precisam. Pelo mesmo motivo, aliás, que não autorizamos alguém a roubar um rim de outro, mesmo que ele precise desesperadamente disso para sobreviver e isso nem fosse causar a morte do outro.

A verdade não deixa de ser verdade só porque levará à extinção da nossa espécie. Por isso, reforço: a estratégia de invalidar um raciocínio apriorístico alegando que a conclusão obtida vai culminar na nossa extinção não é válida. O apelo que essa estratégia tem é utilitário: nós somos seres que perseguem o bem-estar de estar vivo. Isso está enraizado em nossa mente, afinal, só estamos aqui porque uma longa cadeia de ancestrais foi eficiente numa única coisa: continuar vivo e procriar. Mas os autores aprioristas rejeitam fortemente o utilitarismo ético. Não faz o menor sentido tentar resolver uma argumentação apriorística para a ética recorrendo, no fim, a um raciocínio utilitário. E se abandonamos o absolutismo apriorístico em prol do consequencialismo utilitarista, então novamente observamos que, consequencialmente, se não é possível se abster de comer até vegetais e viver sem perturbar bactérias, ainda é perfeitamente possível viver se abstendo de comer carne e sem maltratar animais - como milhares de veganos vivos provam. Então, consequencialmente, não há nenhum problema em cumprir essa parte. Ainda é melhor cumprir o que dá, minimizando agressão, do que não cumprir nada, o que a maximiza.

Podemos descrever esta questão com o seguinte silogismo:

Argumenta o consequencialista que... (Conclusão_1) matar plantas deve ser considerado ético
...Já que... (P2) matar plantas é indispensável para nossa sobrevivência
...e com base no princípio de que (P1) Matar outro deve ser considerado ético se for indispensável para nossa sobrevivência; e deve ser considerado antiético se for dispensável,
Mas se... (P1) Matar outro deve ser considerado ético se for indispensável para nossa sobrevivência; e deve ser considerado antiético se for dispensável
...E dado que... (P2') matar animais é dispensável para nossa sobrevivência
...Logo, (Conclusão'): matar animais deve ser considerado antiético.

Questão encerrada, e a premissa P1, levantada pelo próprio consequencialista, já fornece a explicação do porquê o consumo de plantas estaria autorizado enquanto o de animais não.

24. "Animais são coisas, não pessoas! Dizer que eles sentem dor não os torna humanos"
Ninguém disse que animais são "tornados humanos", nem "pessoas". O argumento não é baseado em "sentir dor e reagir a estímulo". Animais são pacientes morais, diferentemente de objetos eles são seres capazes de estados de maior e menor satisfação, capazes de aceitar ou se opor a ações —como iniciação da força— sendo feitas contra eles. Agressão é iniciação da força contra a vontade do outro. Animais, sendo capazes de vontade, estão passíveis de sofrerem agressão. Agressão é antiética.

25. "A nossa sociedade é onivora e animais aqui não tem direitos"
O fato de uma sociedade ser ou estar organizada de determinada forma não implica na inexistência de direitos daqueles que a organização dela agride.

26. "Essa questão de direitos animais já está respondida a muitas centenas de anos, não há o que debater e ponto final"
Mas se uma questão está realmente resolvida em definitivo num dado momento, na prática ninguém fica discutindo-a e não haveria como entrar nessas discussões não existentes para dizer que elas não deveriam ocorrer. Só o fato de a pessoa estar precisando (e tendo uma oportunidade para) recorrer ao argumento do item 26 já mostra que a questão não está resolvida de forma tão definitiva quanto ela alega. É justamente porque a questão não está resolvida que ela está atraindo e tracionando tantas pessoas em discuti-la.

Na verdade já há respostas para praticamente qualquer assunto que se discuta, o ponto é que "haver respostas" é diferente de elas estarem corretas. Essa estratégia "anti-debate" tem, isso sim, uma explicação psicológica: a pessoa já estava confortável com as respostas que tinha e não quer enfrentar as perturbações de colocar isso à prova, por isso ela tenta desencorajar a discussão daquilo com que já estava tranquila.

27. "Você está negando a cadeia alimentar!"
Não é só porque existe uma cadeia alimentar que isso significa que ela seja justa. Da mesma forma que existe uma hierarquia de força entre os próprios homens e isso não significa que é justo os mais fortes escravizarem os mais fracos.

A cadeia alimentar também não nos obriga a obter nossa nutrição através da agressão a animais. É possível se nutrir de outras formas, como milhares de veganos vivos nos provam.

28. "Como o veganismo pode ser verdadeiro se existem plantas carnívoras?"
Apontar para a existência de plantas carnívoras refutaria as ideias de que "plantas são modelos de conduta" e "não podemos comer carne porque plantas não comem". Mas o veganismo não se baseia em nenhuma dessas ideias.


Por fim...
A cada avanço proporcionado pelo mercado e pela ciência que nos permite deixar de depender da exploração dos animais, continuar defendendo a legitimidade de maltratá-los não é outra coisa se não puro sadismo, pura defesa da agressão contra não-agressores.