Ética e direitos animais (9) - A "prova" de Paulo Kogos


Neste post comentarei o artigo Prova de que animais não possuem direitos de Paulo Kogos, cuja proposta é demonstrar que, seja a ética objetiva ou subjetiva, em nenhum dos casos animais teriam direitos.

Obs: Kogos mistura em alguns itens o que seriam várias premissas. As divisões em [a], [b], [c]... foram introduzidas por minha conta para facilitar a análise. Peço desculpas, pois ainda assim esse texto ficou difícil de acompanhar, mas como você poderá ver essa dificuldade ocorre porque o próprio argumento original de Kogos está mal estruturado.

“1) A consideração ética é inviolável e não-negociável e deriva da natureza das coisas”.
De início a premissa soa verdadeira, até por estar formulada de forma bastante vaga. Mas será usada de forma falaciosa à frente. Sigamos.

"2) [a]Não é da natureza dos animais viver em sociedade de forma inter-especificamente harmônica, [b]nem é compatível com a natureza dos homens sobreviver tratando os animais como detentores de direitos."
A parte [a] não é totalmente verdadeira, e, de forma mais importante, é eticamente irrelevante. Esta parte [a] basicamente será usada para dizer que se seres incapazes vivem de determinada forma, os seres capazes estão autorizados a se comportar desta mesma forma em relação a eles. Exemplificando em termos práticos, é literalmente dizer que se pacientes psiquiátricos, por exemplo, se agridem, é correto irmos lá agredi-los também.

Na parte [b] Kogos não especifica com qual aspecto da natureza humana é incompatível o tratamento de animais como detentores de direitos, nem em qual extensão (total? parcial?). Falta aqui um detalhamento de quais situações ele tinha em mente para dizer que direitos animais não são compatíveis com a natureza humana: eu posso pensar em vários direitos que não têm incompatibilidade nenhuma. Qual seria a incompatibilidade entre a natureza humana e, digamos, o direito de um animal a não ser torturado? Você precisou torturar algum animal hoje para satisfazer sua natureza humana? (Espero que não). Outro exemplo: se ele estiver dizendo que é incompatível com a natureza nutricional do homem tratar animais como sujeitos de direitos, milhares de veganos vivos, que se abstêm de consumo animal, provam que isto é falso, podendo-se dizer no máximo que estes veganos experimentam restrições em seu consumo de bens. Portanto, da forma geral como está, a premissa é claramente falsa.

Mas suponhamos que haja de fato incompatibilidade com algum aspecto qualquer da natureza humana. Surge a questão da extensão: a incompatibilidade é total ou parcial? Suponhamos as agressões A, B, C e D praticadas contra animais. Pode ser o caso que apenas a agressão A (digamos, "matar para obter determinado nutriente") seja necessária a nossas naturezas, sendo B, C e D dispensáveis sem prejuízo algum. Portanto, se apenas a abstenção de A é incompatível com nossa natureza, apenas ela estaria justificada, enquanto a prática de B, C e D (digamos, "touradas", "maltratar cachorros" e "obter Foie Gras mediante tortura de patos") seguiriam injustificadas. Caso se tente evocar a premissa (1) contra esse cenário, ocorrerá aí o uso falacioso dela. Tal tentativa dirá algo como "a ética é não-negociável! Os deveres são plenos ou não são nada!" (exatamente como Kogos diz no final do silogismo), no sentido de que o set ABCD deve ser ou aceito ou rejeitado por inteiro. Ora, mas se, também conforme (1), a ética deriva "da natureza das coisas" e a natureza é tal que apenas a abstenção da agressão A é incompatível com a natureza humana, a conclusão só pode ser que apenas tal agressão A estaria justificada, enquanto BCD seguem não estando — e isto, aí sim, é inviolável e inegociável.

Já temos portanto problemas na premissa (2), cuja parte [a] é irrelevante e [b], mesmo fazendo concessões, já não leva necessariamente à conclusão contra direitos animais sustentada por Kogos.

“3) Tratar os animais como sujeitos de direito implica em [a]extinguir a humanidade ou [b]relativizar tais direitos, tornando-os parciais e utilitários.”
Neste 3[a] Kogos reafirma o ponto [b] de (2), que já vimos ser falso. 

Já em 3[b], temos a acusação de que, alternativamente à extinção suposta em 3[a], os direitos animais teriam de ser parciais e utilitários. Primeiramente, é curioso como jusnaturalistas conseguem, numa mesma frase, reclamar de utilitarismo ao mesmo tempo em que evocam a sobrevivência da espécie, que é um critério puramente utilitário (e coletivista).

Agora, a mera acusação de utilitarismo não é refutação, necessitando da premissa implícita e não demonstrada (porém popular entre ancaps) de que o utilitarismo ético é falso. Talvez seja, quem sabe, mas não basta meramente "xingar" alguma coisa de utilitária para refutá-la. Já sobre a acusação de relativismo, na verdade são os opositores de direitos animais que sempre têm de recorrer a relativismos — Rothbard, por exemplo, assumida e explicitamente declara que a visão de direitos naturais é “relativa à espécie”. (Observe que o ponto aqui não é que opositores da causa animal às vezes cometem relativismos, e sim que, por definição, a proposta de direitos relativos à espécie é intrínsecamente e inescapavelmente uma forma de relativismo de direitos. A oposição aos direitos animais é exatamente isso, como se pode ver nesta premissa (3) mesmo do Kogos: uma proposta de direitos parcial —"apenas humanos!"—  e utilitária —"apenas humanos, pelo bem dos humanos!"). Não há coerência alguma em rejeitar direitos animais porque supostamente seriam "relativos e utilitários" enquanto o próprio Kogos defende uma concepção de direitos que é assumidamente relativa e utilitária.

“4) [a]Se o direito não segue da ética ou segue de uma ética relativizada [b]ele passa a ser questão de imposição e competição evolutiva [c]na qual dar direitos a outras espécies é uma estratégia estúpida de sobrevivência.”
Em seu argumento, Kogos tenta demonstrar a inexistência de direitos animais em 2 hipóteses, começando nesta premissa (4) pela hipótese de um mundo “sem ética”. A estratégia então é ponderar que, mesmo num cenário [a] no qual o direito “não seguiria a ética”, ou no qual “seguiria uma ética relativizada”, entraríamos num contexto [b] pautado por “competição evolutiva”, mas, sendo esse o contexto, os tais direitos dos animais deveriam ainda assim ser descartados conforme [c], por irem contra nós na “competição evolutiva”.

Avaliando-se a relação entre [a] e [b], a princípio a resposta é "sim": um direito que [a]não seguisse a ética levaria a [b], um contexto que se resume a imposição e competição evolutiva. Mas essa acusação cabe perfeitamente é contra os opositores da causa animal. Observe que a estratégia especista é embasar sua ética relativista em cima exatamente de [b] “imposição e competição evolutiva”, negando direitos aos animais para garantir o “nosso” sucesso nessa empreitada. Então estando corretos 4[a] e [b] (e eu acredito que estejam), está aí a demonstração de que é a oposição aos direitos animais que não segue da ética.

Ainda, por curiosidade, note que o “nós” considerado na “competição evolutiva” é uma mera arbitrariedade coletivista: a competição evolutiva, na verdade, ocorre antes de tudo a nível individual, com indivíduos competindo por recursos para transmitir seus genes adiante. Assim, alguém que realmente parta da “competição evolutiva” não precisa propor ética nenhuma; em vez de “princípios universais” e toda essa ladainha fixa de “não-agressão”, o indivíduo deveria fazer o que lhe for mais conveniente para sobreviver e passar seus genes adiante, seja cooperando, seja agredindo (estuprando, por exemplo, se puder se dar bem com isso), conforme for analisado adequado caso a caso: o árbitro da “ética evolutiva” não são raciocínios éticos, e sim a realidade em si, que filtra ao longo do tempo quem sobrevive e quem não. Ou seja, há realmente uma incompatibilidade entre Ética e competição evolutiva mas essa observação mostra que são os especistas, ao proporem direitos para o coletivo humano em nome da nossa sobrevivência, que estão dando um argumento incompatível com a Ética.

Agora, [a] é apenas um espantalho. A proposta dos direitos dos animais não é de “direito não seguir a ética” nem de ser “ética relativizada” — como a ética dos especistas é. Os direitos dos animais são derivados de uma visão universal da ética, e em cima da qual o direito deve ser aplicado. 

Mais importante: [c], por sua vez, é um non-sequitur de [b], ou seja, mesmo se assumíssemos que “sobrevivência de espécie” seja critério ético, dar direitos a outras espécies não é necessariamente uma “estratégia estúpida de sobrevivência” por pelos menos 2 formas óbvias:
  1. Espécies diferentes possuem papel importante na manutenção do equilíbrio ambiental necessário para o sobrevivência de todos, inclusive nós, portanto a decretação, ainda que parcial e condicional, de que determinados animais não sejam, por exemplo, caçados em certos períodos ou ao atingirem certas quantidades, pode ser não só benéfica, como realmente essencial à sobrevivência. Então mesmo se a lógica de Kogos estivesse correta e a sobrevivência da nossa espécie fosse o parâmetro central da Ética, ainda assim isso não implicaria na inexistência completa de direitos animais advogada por ele. (Note que aqui realmente estamos falando dos benefícios evolutivos da decretação de direitos em si, e não de uma eventual e dificilmente executável proposta ancap de “apropriação de todos os animais por parte de um indivíduo ou grupo interessado para depois decidir pela proteção deles enquanto propriedades”).
  2. Cabe aqui também o argumento do psicopata/serial killer: um ambiente que não pune agressão animal ajuda no processo de dessensibilização e encorajamento destes indivíduos, os quais, após se iniciarem praticando em animais, passam a agredir humanos, indo contra a sobrevivência desta espécie.

Resumindo, a premissa (4) fracassa de pelo menos 3 formas: 1a- a acusação de imposição e competição evolutiva como resultado de não se seguir a ética aplica, na verdade, a propostas contrárias aos direitos animais como a dele; 2a- se o argumento da sobrevivência da espécie implica na inexistência de direitos frente a outras espécies, os direitos intra-espécie humana também são implodidos, dada a competição pela sobrevivência também a nível individual, intra-espécie; e 3a- erra factualmente ao alegar que direitos animais são contrários à sobrevivência da espécie.



Até aqui Kogos tentou demonstrar a inexistência de direitos animais no cenário "sem ética", mas como vimos, nenhuma das premissas (2), (3) e (4) se salvaram. A partir do item (5), Kogos tenta demonstrar a impossibilidade de direitos animais agora sob a hipótese de uma “ética transcendente”. 
“5) Se o direito é natural e segue de uma ética transcendente, não há como compreender o sujeito da ética (o outro) sem a ideia de que conhecemos: 
A) aspectos essenciais comuns aos sujeitos éticos; 
B) por analogia, a fonte transcendental da ética que por impor o dever ético denota hierarquia (superior aos sujeitos éticos).”
Não sei se a exigências em (A) e (B) só ocorrem “se o direito segue de uma ética transcendente”. A princípio me parece que qualquer ética requer a possibilidade de conhecer o outro e a fonte de tal ética. De qualquer forma, sigamos: 

“6A) A possibilidade do conhecimento de aspectos essenciais comuns aos sujeitos éticos é extensiva somente a humanos, pois somos humanos e nossa experiência é humana;”
Essa premissa é patética de duas formas. Primeiro, se por um lado é verdade que cada espécie possui sua própria experiência subjetiva de mundo, conforme suas características específicas e que por isso tal experiência não é a mesma da nossa (o biólogo alemão Jakob von Uexküll chama cada diferente experiência dessa de Umwelt), por outro lado é falso que sejamos completamente incapazes de conceber algo sobre tais Umwelten alheios. Aceitar a premissa (6A) requer fazer-se de bobo num nível extremo, a ponto de questionar, por exemplo, que não teríamos como saber qual a experiência de um cachorro ao se lhe atear fogo ou torturá-lo. O que será que significa quando ele tenta fugir tão logo perceba o que vai acontecer? Será que ele está se debatendo de prazer? Meu deus, que mistério insondável! Enquanto opositores de direitos animais se fingem(?) de idiotas, biólogos usam há pelo menos 100 anos o insight de Umwelt justamente para guiar uma melhor compreensão sobre o comportamento animal. Nas palavras do etólogo Frans de Waal,
“Alguns animais percebem luz ultravioleta, enquanto outros vivem num mundo de cheiros ou, como a toupeira-nariz-de-estrela, sentem seu caminho pelos subterrâneos. Alguns ocupam os galhos de um carvalho, outros vivem sob sua casca, enquanto uma raposa cava uma toca entre suas raízes. Cada um percebe a mesma árvore diferentemente. Humanos podem tentar imaginar o Umwelt de outros organismos. Sendo nós mesmos uma espécie altamente visual, compramos apps de celular que convertem imagens coloridas em imagens como vistas por aqueles sem visão de cores. Podemos andar vendados para simular o Umwelt de deficientes visuais. (...) Minha experiência mais memorável com um mundo alienígena foi ao criar gralhas, pequenos membros da família dos corvos. (...) Pensamos no voo como algo que pássaros fazem naturalmente, mas é na verdade uma habilidade que eles precisam aprender. Aterrissar é a parte mais difícil, e eu sempre tinha medo de que eles fossem se chocar contra algum carro em movimento. Comecei então a pensar como um pássaro, mapeando os ambientes em função de sua perfeição para pouso.(...) Quando Thomas Nagel, em 1974, questionou "Como é ser um morcego?" ele concluiu que nunca saberíamos.(...) Mas mesmo que não consigamos sentir o que eles sentem, nós ainda podemos tentar dar um passo além de nosso estreito Umwelt e aplicar nossa imaginação ao deles. De fato, Nagel não poderia ter escrito suas reflexões incisivas caso não tivesse ouvido falar da ecolocalização dos morcegos, que foi descoberta só porque cientistas tentaram imaginar como era ser um morcego e tiveram sucesso. É um dos triunfos da nossa espécie pensar fora de sua caixa de percepção direta.”
A segunda falha da premissa é que, a rigor, não temos como adentrar nem mesmo o Umwelt de outras pessoas. Considere o problema do Zumbi Filosófico. Ninguém tem como saber se outras pessoas experimentam o mundo da mesma forma, sequer se são seres conscientes: nós simplesmente supomos que sim, baseados nos comportamentos exibidos pelos outros. Esta dificuldade de conhecimento do outro traz desafios à ética, mas vai muito além da questão dos animais. Mas como é de costume entre os opositores de direitos animais, os argumentos e as dificuldades encontradas nunca são completamente considerados, só são levados em conta até a parte que convém —negar direitos a animais— e abandonados em seguida.

“6B) é preciso entender que as analogias são incompletas e imperfeitas, mas que tendem a completude do Ser no sentido ascendente e à incompletude do Ser no sentido descendente; 
7) logo, há um dever ético cuja manifestação institucional e coletiva é o direito, que emana do DEVER SER, denotando plena obediência à fonte transcendental das naturezas e obediência ao direito alheio por derivação e comunhão de aspectos essenciais comuns que levam o devedor ético à sua própria plenitude” 
Mera pregação sobre a perfeição da fonte transcendental (jeito chique de não escrever "Deus"), e a necessidade de obediência a ela, para poder emendar a próxima premissa. 

“8) [a]As prescrições do item 7 são violadas no momento em que extrapolamos o método analógico pra baixo na escala ontológica, ou seja, pros animais. [b]Embora possamos derivar um dever moral de evitar o sofrimento animal desnecessário, [c]disso não pode seguir um dever jurídico sem a degeneração da epistemologia ética; [d]pois não podemos antropomorfizar os animais. [e]Sabemos que a essência deles não é a mesma que a nossa, e [f]que todas nossas conjecturas a respeito da essência animal são necessariamente falhas pois [g]por mais que a neurociência avance, ela não contradiz a constatação de Aristóteles de que é impossível conhecer a essência alheia ao seu gênero. Sabemos contudo, que [h]os animais não possuem noções de direito e de reflexão moral, [i]estando aquém da humanidade no que tange aos deveres éticos.”
A impressão é que a essa altura Kogos perdeu a paciência em estruturar premissas passo-a-passo e decidiu jogar tudo amontoado numa só.

A premissa [a] traz a enfadonha insistência de que direitos animais seriam "extrapolação" ou "extensão" de direitos. Na verdade, os direitos animais são simplesmente a aplicação consistente e sem ressalvas arbitrárias do raciocínio Ético. Dizer que animais estão "para baixo" na escala ontológica é um jeito pedante de fugir do assunto: o ponto não é posição de alguém numa suposta escala ontológica, e sim se ele tem ou não o necessário para ser sujeito de direitos. A título de ilustração, considere um deficiente mental severo e permanente, por exemplo, e uma raça alienígena com mais perfeições do que nós. Sendo a escala ontológica um enfileiramento de seres pelas perfeições e capacidades que manifestam (antropomorficamente consideradas, é claro), este deficiente deve estar, por definição, ainda que acidentalmente, abaixo em tal scala naturae em relação a uma pessoa com suas faculdades mentais plenas, bem como os tais alienígenas estariam acima de nós. Ainda assim, mesmo estando abaixo, o deficiente possui direitos —bom, pelo menos eu defendo que possui—, e não seria só porque estaríamos abaixo dos tais alienígenas que perderíamos os nossos. Reafirmo: o ponto não é posição de alguém numa suposta escala ontológica, e sim se ele tem ou não o necessário para ser sujeito de direitos.

[b] e [c] são a relação principal desta premissa: de forma prática, Kogos está dizendo que [b]há um dever moral de evitar o sofrimento animal desnecessário mas que [c]ninguém pode ser punido por violar tal dever, pelos motivos de [d] até [i]. Vejamos estes motivos e voltemos a [c] ao fim:

[d]pois não podemos antropomorfizar os animais. 
[d] é um espantalho manjado. A defesa dos direitos dos animais não propõe "antropomorfizar animais", isto é, tratá-los como se fossem humanos, e sim tratá-los como animais; sendo o ponto exatamente que animais (na verdade, os incapazes em geral, incluindo incapazes humanos) já são dignos de tratamento ético enquanto tais mesmo.

[e]Sabemos que a essência deles não é a mesma que a nossa, e 
[f]que todas nossas conjecturas a respeito da essência animal são necessariamente falhas 
Os itens [e] e [f] são repetições da fracassada premissa (6A): devaneios sobre impossibilidades de conhecer sobre os animais. O item [f], aliás,  contradiz o item [e], pois se nossas conjecturas sobre a essência animal são "necessariamente falsas", simplesmente não podemos saber o que ele afirma em [e] sobre a essência animal não ser a nossa — talvez ela seja, e tudo que afirmamos em contrário sejam conjecturas "necessariamente falsas"...

[g]por mais que a neurociência avance, ela não contradiz a constatação de Aristóteles de que é impossível conhecer a essência alheia ao seu gênero. 
Quanto à suposta "constatação de Aristóteles pela impossibilidade de conhecer a essência alheia ao seu gênero", no item [g], ela está riscada porque os passos de tal constatação não foram fornecidos pelo Kogos e também não os encontrei procurando por conta própria; questionado, nem o próprio Kogos apontou quais seriam ou onde encontrá-los. De duas uma: ou Aristóteles nunca fez a tal constatação, ou pode até ter constatado mas, de qualquer forma, essa constatação está errada conforme a discussão da premissa (6A).

[h]os animais não possuem noções de direito e de reflexão moral,
O item [h] é a falácia de que direitos derivariam de se "ter noção" deles, ou de se ser capaz de "reflexão moral", no melhor estilo "se alguém não sabe que agressão é errado, então eu, que sei, posso fazer de conta que não sei e agredi-lo". Isso não é Ética, é só alguém dando uma de Joãozinho-Sem-Braço.

[i]estando aquém da humanidade no que tange aos deveres éticos
O item [i] completa a falácia iniciada em [h], tentando refutar um dever de A (o humano, capaz) em respeitar B (um incapaz) ao falar que B não é capaz de deveres. Na verdade, o que importa para caracterizar os direitos de B não é ele ser capaz de deveres (isto é, um agente moral), e sim ele ser um sujeito de direitos (isto é, um paciente moral). O erro aqui é tentar amarrar agência moral com paciência moral como se apenas agentes morais pudessem ser pacientes morais, o que é falso.

Então [d], [e], [f], [g], [h] e [i] foram dados como suporte à ideia em [c], mas todos eles são furados, então o que sobra da premissa (8)? Nada: continuamos sem motivo para acreditar que [c]não podemos punir quem viole o dever moral de evitar o sofrimento animal desnecessário reconhecido em [b].

"Segue do item 1 que estes deveres são plenos ou não são nada.
[a]Logo animais não estão na esfera do direito e [b]agir como se estivessem, como consequência do item 2, é uma negligência do direito e do dever ético para com seus sujeitos, os humanos."
Kogos tenta concluir recorrendo aos itens (1) e (2), mas já vimos no início que a premissa (2) está mal formulada, pra dizer o mínimo, e que uso pretendido dele para (1) é falacioso. Sobre [b], a rigor, a premissa (2) não tem relação alguma com "negligência do direito e do dever ético". Seria na verdade o item [b] de (3) "[b]relativizar tais direitos, tornando-os parciais e utilitários" o adequado para essa conclusão que ele deseja. Mas também já vimos que 3[b] é falso e também incorre em combinação falaciosa com (1), portanto mesmo fazendo esta correção o argumento dele continua errado.

Sobre [a]"Logo animais não estão na esfera do direito", esta era a conclusão que Kogos precisava embasar, mas uma vez que pelo menos as premissas (2), (3), (4), (6A) e (8) são grosseiramente erradas (enquanto (1), (5), (6B) e (7) são neutras, dando apenas suporte a estas), a conclusão não se sustenta. Afora as premissas mal estruturadas, a incoerência de rejeitar utilitarismo mas falar o tempo todo no coletivismo utilitário da "sobrevivência da espécie", e argumentos falsos, julgo que a principal falha do argumento apresentado por ele é ignorar a distinção entre agentes e pacientes morais. Não basta a ausência de agência moral: para que alguém seja excluído apropriadamente da esfera do direito, esse alguém precisa não se qualificar nem como agente, nem como paciente moral. Achar que basta alegar que alguém não é agente moral (isto é, que não tem capacidade de deveres) e com isso seu status de paciente moral também está descartado de brinde é um erro comum dos opositores dos direitos animais, no qual Kogos também incorre aqui.


CONCLUSÃO
A tentativa de silogismo de Paulo Kogos bastante apropriadamente para uma postagem disponível no “Instituto Rothbard Brasil”— é apenas mais um compilado de erros, ignorâncias e falácias rothbardianas já rebatidos no post Ética e direitos animais (1) - Crítica à abordagem jusnaturalista.

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