Ética e direitos animais (6): Contratualismo

Hobbes: "O homem é o lobo do homem".
Mas quando ataca seus pares o homem ainda é só o homem mesmo. Exceto o Jacob, talvez.
O contratualismo ético parte do ponto de vista de que o mundo é a guerra do todos contra todos. Andamos por aí usando da força à vontade, e então alguém propõe "ei, que tal se eu não inciar a força mais e você também não?". A partir disso, as pessoas aderem a esse acordo, abrindo mão do uso da força enquanto as demais abrirem também. Dessa forma, o padrão é cada um fazer o que quiser, o cessar fogo é a exceção contratada, e vinculada à reciprocidade. Nesse contexto, supõe-se que não há por que respeitar aqueles que não têm capacidade de entrar no acordo. Surge daí o raciocínio, por exemplo, de Thomas Hobbes, célebre defensor da ideia do contrato social, para quem os animais não teriam direitos porque
"É impossível fazer pactos com os animais, porque eles não compreendem nossa linguagem, e portanto não podem compreender nem aceitar qualquer translação de direito, nem podem transferir qualquer direito a outrem; sem mútua aceitação não há pacto possível."

Foge do escopo desse post avaliar se o contratualismo descreve corretamente ou não o fenômeno ético. A questão é: se ele for verdadeiro, implica na inexistência ou na impossibilidade de direitos a animais?

A resposta é claramente "não". Uma vez que direitos sejam fruto de acordos e contratos, nada impede que se pactue que, além de não nos agredirmos entre nós, também não iniciemos agressão contra terceiros. Esta já é, inclusive, a premissa usada para se pactuar direitos a incapazes humanos, os quais claramente não podem ser parte em pactos — nada impede, portanto, que seja aplicada a indivíduos de outras espécies em igual situação de incapacidade.

Para efeito de comparação, consideremos também o quanto o contratualismo é diferente da visão de uma ética objetiva. Isto é importante pois libertários frequentemente rejeitam o contratualismo e alegam defender uma ética objetiva, mas acabam recorrendo em seus discursos a várias premissas que só fazem sentido no contratualismo.

Numa visão ética objetiva, encontra-se a verdade ética de que agredir é errado e ponto final, objetivamente — é errado quer os indivíduos saibam disso ou não, tenham pactuado isso ou não; já era errado antes de o primeiro homem nascer, continuará sendo depois que o último morrer. Note que isso é basicamente a negação de tudo que o contratualismo, uma visão ética subjetiva, nos traz. Uma ética objetiva existe e vale independentemente do que façamos, uma ética subjetiva só existe e vale após nós a pactuarmos e conforme o pactuado.


No contexto da ética objetiva, entretanto, nós não somos mais a razão de ser da ética: a verdade ética objetiva apenas existe, e nós simplesmente somos capazes de conhecer tal verdade. Se esta verdade é que agressão é antiética, a vida na Terra ser claramente construída em cima de condutas antiéticas não a altera — isso seria simplesmente uma tentativa de "naturalizar a verdade", supondo que ela tenha algum compromisso em declarar como corretas as coisas como elas forem na natureza.

Em vez de ser uma ferramenta para promover a utilidade das nossas sociedades. a ética objetiva é uma verdade "impessoal" e não comprometida com nossos desejos e satisfação. Se ela atende nossos interesses, bom pra nós; se vai contra eles, paciência: então ela é um fardo do qual nós tomamos conhecimento, e se queremos ser éticos devemos tentar cumprir, em vez de ficar arrumando desculpa e 'tu quoque ético' de "ah, mas se o outro não sabe a verdade então eu faço de conta que a verdade não vale em relação a ele".

Essa visão da ética objetiva nos é bastante clara quando pensamos nos incapazes humanos: nos vem imediatamente à mente que o princípio ético é que quanto mais incapaz outro for, mais consideração ética, tutela e cuidado ele merece. Porém quando se cogita que o incapaz é um animal aí algumas pessoas pulam fora da esfera objetiva, e começam a alegar exatamente o contrário do princípio: agora quando mais incapaz o outro for, mais a pessoa quer fazer o que quiser com ele porque ele não teria "assinado" o tal "contrato de cooperação mútua".

De forma similar ao que foi apontado no post sobre a premissa sobrevivencialista, se queremos brincar de discutir éticas objetivas e impessoais, tudo bem, mas tenhamos a decência de não misturar nela pressupostos éticos subjetivos quando a impessoalidade que se buscava de início apontar numa direção inconveniente ás nossas pessoalidades.

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